Conexões SP: Casas do Brasil Marcos Freire
Exposição no Museu da Casa Brasileira (2020)
Casas do Brasil: conexões paulistanas apresenta modos de morar na cidade de São Paulo, pelas fotografias de Marcos Freire. Este inventário documental – produzido a partir de 990 visitas a 94 dos 96 subdistritos da capital ao longo de sete anos – se apresenta como uma potente arqueologia contemporânea.
Em um jogo de aproximações e composições em diferentes escalas, as imagens capturadas pelo arquiteto e fotógrafo durante suas incursões a pé por diversas ruas, condomínios e casas localizados em todos os cantos da área metropolitana de São Paulo, configuram uma delicada trama urbana.
Na presente exposição, temos a oportunidade única de percorrer esta grande produção imagética por meio de composições singulares. Apresentadas em trípticos, as articulações entre as imagens podem ser melhor compreendidas a partir de três estratégias artísticas complementares:
O andar e a estética da paisagem
A documentação de Marcos apresenta a sensibilidade do artista em apreender a paisagem urbana e seus elementos morfológicos: árvores, postes, ruas, calçadas, casas térreas, sobrados, edifícios, carros, ônibus. Além das texturas e cores e informações que essa paisagem dominada e ocupada pelo homem oferece aos olhos do observador. Ao percorrer o território, Marcos criou seus rastros e seus marcos, seus menires (Careri, 2002). Todas as imagens registradas estão geolocalizadas; e essas referências temporais, geográficas e físicas situam as “conexões paulistanas” e o grande rizoma apresentado na exposição.
Arquivar, colecionar e ressignificar
A matéria-prima do projeto consiste em mais de vinte mil fotos realizadas e catalogadas por Freire. Estas compõem o núcleo central da exposição, em uma mesa digital “Arquivos”. Organizadas, primeiramente, por tipologias ou afinidades temáticas como salas, quartos, banheiros, fachadas, grades, ruas, acabamentos, pisos, etc., esse inventário possibilitava infinitas leituras e possibilidades narrativas. A mesa representa a célula mater do projeto curatorial e do processo criativo do artista.
A exemplo de fotógrafos como Ed Ruscha e Joachim Schmid – para citar dois artistas que dominam com maestria edições de arquivos de imagens e registram as transformações das paisagens urbanas –, conseguimos reconhecer a prática artística do arquivismo e do colecionismo no trabalho de Freire.
Gestalt: relação formal e cromática
A terceira estratégia criativa está relacionada às criações dos trípticos. As composições geométricas, os paralelismos e o jogo de perspectivas e pontos de fuga que se abrem e fecham estão profundamente vinculados à formação deste arquiteto e aos fundamentos do seu mestre, o artista e semiótico Décio Pignatari, com quem Marcos estudou as relações simbólicas das representações imagéticas. O domínio da técnica still usada na fotografia publicitária também contribuiu muito na precisão e na poesia desta coleção de imagens.
Partitura
O projeto curatorial se propõe a construir uma narrativa visual contínua, composta a partir das combinações entre os trípticos do artista. Dispostas lado a lado em uma linha contínua, na altura do olhar do observador, o núcleo “Partitura” convida o espectador a uma nova experiência estética ao percorrer os lugares ressignificados por Marcos. Essas estrofes musicais se conectam a partir de suas composições formais, cores, padrões construtivos, funcionalidades ou tipologias arquitetônicas. Há um emaranhado de tempos, de camadas e signos da cultura material no qual diferentes lugares e contextos compõem uma partitura musical com ritmo e harmonia entre seus elementos.
Casa imaginária
O núcleo “Casa imaginária” oferece um simulacro, em escala real, dos interiores das casas. A riqueza dos objetos materiais, da customização dos acabamentos, decoração e individuação do lugar de acolhimento, intimidade e trocas afetivas revelam “a partilha do sensível e a estética de todos nós”, como diz Rancière. Isentas de qualquer interferência por parte do autor e registradas em pouquíssimo tempo – quase como um clique instantâneo –, essas fotografias reforçam o enquadramento preciso e o olhar apurado de Marcos. São imagens que dignificam o lugar do outro.
Conexõessp
Com o propósito de apresentar ao público a dinâmica, a velocidade e a miríade de possibilidades e associações possíveis desta imageria, a instalação “Conexõessp” consiste em um jogo ritmado e sincopado de aproximações e distanciamentos e imbricações entre esses diferentes signos urbanos – do objeto, da moradia, da cidade.
Casas do Brasil: conexões paulistanas traz um olhar singular sobre o território paulistano. E nos permite ir muito além do nosso imaginário.
Fotografias: Marcos Freire
Curadoria: Didiana Prata
Projeto expográfico, projeto gráfico, produção executiva, comunicação e apoio a montagem: Equipe MCB
Montagem: Estudio M+G
Montagem Final: Bibiana Arte
Impressões fine art: Giclè
Referências
CARERI, Francesco. Walkscapes: walking as an aesthetic practise. Barcelona: Editorial Gustavo Gili, 2002.
PÁL PELBART, Peter. Rizoma temporal. São Paulo: Escola da Cidade, 2018.
PRATA, Didiana. Imageria e poéticas de representação da paisagem urbana nas redes. 2016. Dissertação de mestrado na Área de Projeto, Espaço e Cultura - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2016. Disponível em <https://teses.usp.br/teses/disponiveis/16/16136/tde-16022017-095419/pt-br.php>. Acesso em abril 2020.
RANCIÈRE, Jacques. A partilha do sensível: estética e política. São Paulo: Editora 34, 2005.
BROUWS, Jeff et al. Various small books: Referencing Various Small books by Ed Ruscha. Massachusetts: MIT Press, 2013.